Resenha O Colecionador – John Fowles (Sem Spoilers)
“A vida é uma piada, é besteira levá-la a sério. Seja sério em sua arte, mas brinque um pouco sobre tudo mais.” p. 203
Depois de muito tempo com cópias esgotadas, O
Colecionador ganhou nova edição no Brasil graças a DarkSide Books, que mais uma
vez nos presenteou com seu habitual capricho, trazendo uma introdução de
ninguém menos que Stephen King, conteúdos extras e acabamento perfeito,
tornando o prazer de folhear o livro ir além da leitura.
Escrito em 1963 por John Fowles, a obra conta a
história de Frederick Clegg, um jovem solitário de aparência frágil e voz
serena, cujo hobbie é colecionar borboletas, porém, como se diz popularmente,
as aparências enganam. Frederick esconde um segredo, ele é obcecado por uma
jovem estudante de arte, Miranda Grey, que não suspeita de nada, mas cada um de
seus passos e seus hábitos são monitorados e seu destino está prestes a mudar
da forma mais drástica possível. O protagonista é funcionário público de uma
pequena cidade da Inglaterra até que sua vida muda quando ele ganha na loteria,
o que o possibilita comprar uma antiga casa afastada da cidade e começar seus
planos para “conquistar” Miranda. Ressalto as aspas pois, seu plano de
conquista consiste em sequestra-la e a manter confinada pois em sua mente,
basta que eles passem um tempo juntos para ela o conhecer melhor e assim, quem
sabe, se apaixonarem. E é para essa loucura que somos transportados logo nas
primeiras páginas, sem enrolação e indo direto ao ponto.
O Livro é divido em três partes, sendo a
primeira o ponto de vista de Frederick, seus pensamentos e conversas com
Miranda e neles o autor trabalha muito bem os diálogos e todas as diferenças na
forma de pensar e agir geram conflitos entre eles que refletem seus conflitos
internos, de alguma forma nos fazendo sentir os traumas e os sofrimentos de
cada um. Diferente do que imaginamos de um sequestrador, Clegg é sempre muito
respeitador e dedicado, quase fazendo você se simpatizar por ele em alguns
momentos e isso foi extremamente perturbador para mim pois me fez pensar em
como poderia sentir empatia por um ser que comete uma atrocidade como a que ele
cometeu? A escrita de Fowles, ao meu ver, se destaca principalmente por isso,
pelos pensamentos e sentimentos conflitantes que me acompanharam ao longo da
leitura. Para citar outro exemplo, Miranda me despertou certa irritação em seus
momentos de arrogância e prepotência, quase me fazendo esquecer que ela é a
vítima.
A segunda parte é um diário escrito pela
própria Miranda enquanto prisioneira, obviamente mostrando o seu ponto de vista
dos acontecimentos, suas percepções, seus planos de fuga e eventualmente
acontecimentos de seu passado vão sendo melhor explorados e vamos nos dando
conta da complexidade da mente dela, criando uma aproximação cada vez maior do
leitor e consequentemente aumentando nosso desconforto com sua situação
chegando ao ponto do progressivo desespero dela se tornar o nosso desespero. A
sensação transmitida através da escrita dela é angustiante e claustrofóbica e
de fato me peguei olhando a minha volta e pensando como seria se eu não pudesse
sair dali tamanha foi minha imersão.
A terceira parte eu prefiro não revelar, não
para aumentar a curiosidade, mas acredito que quanto menos se sabe dessa
narrativa, mais instigante e apreensiva ela se torna. Fica a recomendação deste
que foi para mim a experiência literária mais incômoda e angustiante da minha
vida, e se isso não for o suficiente para te convencer, a obra inspirou não
apenas o já citado Stephen King como outros mestres do suspense, como Neil
Gaiman e Thomas Harris, esse último disse inclusive que seu livro, O Silencio
dos Inocentes, só foi possível graças à O Colecionador. Apenas prepare seu
psicológico e mergulhe nessa experiência que é tão incômoda quanto
recompensadora.
Avaliação:
💜💜💜💜💜
💜💜💜💜💜
Sobre o Filme
O Livro ganhou uma adaptação em
1965 dirigido por William Wyler e estrelado por
Terence Stamp e Samantha Eggar. Ao meu ver é um filme injustiçado, por não ser
um típico filme nos moldes de Hollywood, poucas pessoas o conhecem, o que é uma
pena já que se trata de um excelente filme e com relativa fidelidade ao livro.
Digo relativa pois o livro é muito mais denso e complexo, explorando muito mais
a psique dos protagonistas. Dessa forma, o filme é mais fácil de digerir e
menos incomodo do que o livro se permite ser, mas definitivamente trata-se de
um clássico do suspense que merece ser visto.
Trailer:
Rafa Ferraz
Nossa, amei a resenha,amei essa avaliação sobre o filme tbm. Confesso que prefiro a leitura sempre! rsrs vou adiciona-lo a minha lista de leitura. obrigada por partilhar seus sentimentos e conhecimento em palavras, é sempre um prazer ler! 💖
ResponderExcluirConto nos dedos as obras cinematográficas superiores ao material de origem rs
ExcluirObrigado pelo comentário ;)
Resenha maravilhosa, me fez sentir vontade de ler. Parabéns Rafa!!!👏👏👏
ResponderExcluirQue resenha, Rafa!! Parabéns e que orgulho de ter você aqui no Blog <3
ResponderExcluirObrigado pelo carinho de todos =]
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